“Tens de comer a sopa toda”. Quem não se lembra de ouvir isto quando era criança? E agora, já somos adultos, mas continuamos a ouvir o mesmo. O nosso médico diz-nos que temos de comer mais vegetais, as autoridades de saúde e os nutricionistas também e até aqueles nossos amigos que passaram para o lado luminoso da Força e querem levar-nos atrás. E, na realidade, eles até têm razão.
Um em cada dois portugueses não ingere a quantidade de produtos hortículas ou de fruta recomendada pela Organização Mundial de Saúde. E, segundo a nossa Direcção-Geral de Saúde, o baixo consumo de frutos, hortaliça e legumes está entre os 10 factores de risco para o aparecimento de doenças e mortes prematuras. Se as estatísticas não chegam, aqui ficam as razões:
- Os vegetais estão cheios de nutrientes de que o nosso corpo precisa para ser saudável – vitaminas, minerais, antioxidantes, fitonutrientes e fibra.
- Os vegetais têm volume mas não muitas calorias: enchem o nosso estômago e saciam-nos, mas sem representar um ganho energético significativo. Ou seja, ajudam a manter um peso saudável sem passar fome.
- Os vegetais têm fibra e água, o que nos mantém saciados durante mais tempo, alimenta as nossa flora intestinal e ajuda a que os intestinos funcionem bem e eliminem as toxinas.
- Os vegetais trazem variedade à nossa alimentação. Há tantos tipos, de várias cores e há formas tão variadas de os cozinhar, que é difícil ficarmos entediados. São, por isso, um óptimo aliado quando queremos manter-nos no campeonato de uma alimentação saudável.
Plano de ataque
Para muitas pessoas, o grande desafio é como integrar os vegetais no dia-a-dia e garantir que eles estão sempre lá, nos bons e nos maus momentos. Aqui fica o meu plano de ataque:
- Fazer uma lista de vegetais (os que gosta, os que não gosta e os que nunca provou)
Pegue numa folha de papel e numa caneta, e divida-a ao meio, com uma linha vertical. Do lado esquerdo, escreva todos os vegetais de que gosta. Do lado direito, elenque todos os vegetais que já experimentou e que não gosta. Para ser mais fácil, pode agrupar por cores: verde (couves, brócolos, espinafres, vegetais de folha verde), amarelo/laranja (pimentos, cenoura, abóbora, batata doce), roxo (couve roxa, batata doce, beterraba, beringela), vermelho (tomate, pimentos), branco (nabo, couve-flor, cebola, alho) ou castanho (cogumelos). Pesquise na internet para completar o mais possível a lista.
No verso da lista, escreva todos os vegetais que nunca experimentou. Provavelmente deparou-se com alguns durante a pesquisa, ou lembrou-se de alguns. Da próxima vez que for ao supermercado, se vir algum que não conhece, lembre-se de acrescentar a esta lista.
- Comer um vegetal novo todas as semanas
Claro que os vegetais que identificou no lado esquerdo da folha são para fazer parte da sua lista de compras. Mas, além disso, desafie-se a experimentar um vegetal novo todas as semanas, pelo menos até ter esgotado as opções. Se não sabe como cozinhá-lo, procure uma receita ou deixe o chef que há dentro de si brilhar. O pior que pode acontecer é não gostar. Mas, se gostar, já é mais um na lista.
- Dar uma segunda oportunidade
Do verso da folha, onde estão os vegetais que não gosta, escolha um por semana para dar uma segunda oportunidade. Sou defensora de que não devemos forçar-nos a comer o que não gostamos, por mais saudável ou “na moda” que esteja, mas o nosso paladar precisa, por vezes, de algum tempo para se habituar a alguns sabores. O café e a cerveja são bons exemplos disso: frequentemente, não se gosta deles da primeira vez que se prova, e depois… bem, vocês sabem como acaba a história. O mesmo acontece com alguns vegetais, e o principal “culpado” é o sabor amargo que têm. Mas há formas de contornar isso (já lá iremos). O pior que pode acontecer? Não conseguir tirar aquele alimento do verso da lista.
- Começar “do início” e avançar passo-a-passo
Não vale a pena ir às comprar, açambarcar todos os vegetais que lhe apareçam à frente, encher a despensa e o frigorífico e, depois, não saber o que fazer com aquilo tudo. É necessário que comece a partir do seu ponto de partida. Se está a comer zero vegetais por dia, tente comer um ou uma porção todos os dias, de forma consistente. Se já come uma porção, avance para as duas. Se já vai nas duas, aponte para as três.
10 sugestões para o dia-a-dia
Já sabemos como começar, agora vamos ver como podemos aumentar o nosso consumo de vegetais no dia-a-dia, sem complicações e sem perder horas na cozinha.

- Aposte nas sopas
Não é que os nossos pais tinham mesmo razão? A melhor maneira de iniciar a refeição principal é com uma sopa. E isto é válido para as refeições em casa, mas também para as refeições fora. Não só está a ingerir logo uma boa quantidade de vegetais, como a ocupar espaço no estômago, reduzindo a probabilidade de depois devorar o prato principal. Varie o máximo possível nos ingredientes e experimente novas receitas para não se cansar. Além disso, pode fazer em maior quantidade e congelar em doses individuais, para ter à disposição sempre que não tiver tempo para cozinhar.

- Dê emoção às suas saladas
Durante muito tempo, a minha noção de comer vegetais passava por uma salada com alface, tomate e cebola. Algo nada “excitante” e do qual facilmente enjoava. Se é esse o ponto onde se encontra, tudo bem. Mas por que não começar a dar alguma emoção às suas saladas? Não se limite à alface (que tem, aliás, um valor nutricional praticamente nulo). Experimente outras folhas verdes (como rúcula, espinafres, canóginos, acelgas, endívias, agrião) e complemente com tomate, pepino, beterraba, cenoura, pimentos, rabanete ou couve roxa. Pode ainda ir mais longe: junte frutos secos, sementes (sésamo, girassol, canhâmo, abóbora), fruta (abacate, ananás, kiwi, frutos vermelhos, morangos ou maçã) ou ervas aromáticas (coentros, salsa). Uma boa estratégia, pelo menos numa fase inicial, é ter sempre no frigorífico um pacote de salada embalada pronta a consumir. Depois é só dar-lhe a tal “emoção”.

- Varie os métodos de confecção
Se cansa andar sempre a comer os mesmos vegetais, também cansa cozinhá-los sempre da mesma maneira. Varie nos métodos de confecção e ajuste-os ao tempo que tem para estar na cozinha. Pode saltear em gordura ou água, assar, cozer a vapor, escaldar… Ajuste também à altura do ano: no Verão, tendemos a preferir saladas, nos meses frios o nosso corpo pede mais vegetais cozinhados.
Destaco dois métodos de que sou fã: assar e escaldar. Cozinhar vegetais no forno é do mais prático que há. Podemos fazer um tabuleiro grande com vegetais, aproveitando o que temos em casa, e enquanto eles cozinham, temos tempo para fazer outras coisas. O segredo aqui, além de variar nos vegetais, é variar nos condimentos e especiarias.
Escaldar vegetais é a solução ideal para quando temos mesmo pouco tempo, e funciona muito bem em vegetais mais rijos como brócolos e espargos: basta ferver água, pôr os vegetais na panela, baixar o lume, tapar e deixar cozinhar durante um minuto. Depois passam-se os vegetais por água fria, para interromper o processo de cozedura e ficarem crocantes e com cor viva.

- Use o congelador
O congelador é um dos meus melhores amigos. Poupa-me tempo na cozinha e ajuda a evitar o desperdício alimentar. Tenha sempre vegetais já arranjados no congelador (brócolos, couve cortada em tiras, cenouras às rodelas, abóbora aos cubos, ervilhas, etc) para os dias em que trabalha até mais tarde e tem menos tempo para cozinhar. Nos supermercados já encontra também vários sacos com misturas de vegetais congelados, prontos a cozinhar.

- Faça uso dos seus aparelhos de cozinha
Se tem um robô de cozinha ou uma picadora, use-a: junte cebola, alho e ervas aromáticas e pique tudo. Em segundos, fica com uma base para refogar, que pode usar numa sopa, num arroz ou para saltear outros vegetais, como cogumelos ou couve. Costumo juntar mais vegetais àquela mistura, como cenoura, funcho ou aipo, e picar tudo de uma só vez. Esta é uma boa forma de aumentar o consumo de vegetais e até de incluir alguns que – devido ao seu sabor mais forte (como o aipo) – tendem a ser postos de lado.

- Cozinhe tudo numa única frigideira
Para mim, simplificar é a palavra de ordem na cozinha. Por isso, além de adorar cozinhar peixe e carne no forno acompanhados com muitos vegetais, sou fã de sujar só uma frigideira ou panela. Basta aquecer um pouco de óleo de coco ou outra gordura, refogar a tal base de que falámos no ponto anterior, acrescentar a proteína desejada (carne, peixe ou leguminosas já cozidas, como feijão ou grão) e, na fase final, adicionar os vegetais que quer (cogumelos, brócolos, espargos, couve, espinafres, etc). Se necessário, adicione um pouco de água durante o processo. Uma refeição destas é prática, suja pouca louça e demora menos de 20 minutos a fazer.

- Use os vegetais como alternativas aos hidratos
Não se trata de demonizar os hidratos, mas sim de arranjar alternativas para variar e, ao mesmo tempo, aumentar o consumo de vegetais. Em vez de massa, experimente curgete ou cenoura espirilizadas, ou mesmo batata doce. Pode substituir o arroz por arroz de couve-flor. Há também várias receitas de bases de pizza com vegetais. Pode fazer purés com vegetais (abóbora, brócolos, batata doce, cenoura, couve-flor, ervilhas) ou esparregado.

- Comece a consumir vegetais logo de manhã
Se o seu ponto de partida já é mais avançado (já consome boas porções de vegetais ao almoço e ao jantar), estas duas próximas sugestões são especialmente para si. Experimente trazer os vegetais logo para a primeira refeição do dia. Os sumos e os batidos verdes são a opção mais óbvia (deixo-vos aqui um artigo se quiserem saber mais), mas há outras. Se gosta de ovos ao pequeno-almoço, experimente juntar espinafres, tomate ou cogumelos. Pode até servi-los numa tosta de batata doce: basta cortar uma batata doce longitudinalmente, em fatias finas, e colocar numa torradeira ou grelhar numa chapa ou frigideira (gosto de acrescentar uma pitada de sal e canela). Esta é também uma maneira rápida de cozinhar a batata doce para a refeição principal, quando não temos tempo de a levar ao forno.

- Faça snacks de vegetais
Algumas ideias são pickles de vegetais (pepino, couve, cenoura, beterraba), palitos de cenoura, pepino ou aipo (sozinhos ou a acompanhar húmus ou guacamole), sumos ou batidos verdes e tomate cherry com queijo fresco. Este tipo de snacks são ideias para levarmos para o trabalho, que é quando muitas vezes nos ataca aquela fome repentina entre as refeições.

- “Dê a volta” aos vegetais de que não gosta
Por fim, uma dica para quem tem dificuldade em gostar de alguns vegetais, nomeadamente os mais amargos. Uma maneira de “amortecer” esse sabor e interferir com a percepção que o nosso cérebro tem do mesmo é adicionar sabores doces e “gordurosos” àqueles vegetais. Exemplos de sabores doces: cebola cozinhada, frutos vermelhos, laranja, mel ou geleia de arroz. Exemplos de sabores provenientes de fontes de gordura: azeite, manteiga, abacate, tahini (pasta de sésamo), frutos secos, queijo (cabra, feta,).
Outro vegetal que costuma dividir opiniões é a beterraba. Se não gosta dela ao natural, pode experimentar incluí-la em pequena quantidade numa sopa, num batido, na massa das panquecas ou fazer um húmus com grão e beterraba. Estas estratégias funcionam cá em casa, onde só eu gosto de beterraba.
Como já disse, não temos de ser forçados a comer o que não gostamos. Mas, por vezes, é apenas o nosso paladar que precisa de ser habituar ou simplesmente temos de experimentar cozinhar o que não gostamos de uma maneira diferente.
Para concluir, “keep it simple”. É maravilhoso fazermos receitas novas e elaboradas com vegetais, como caril, quiches, bolos salgados, feijoadas ou guisados. Simplesmente, não temos tempo para estar com isso todos os dias. Mas a verdade é que temos de comer todos os dias, e convém que os vegetais façam parte – e em boas quantidades – do nosso prato.
Ana Rita Faria
www.arfhealthcoach.pt
www.instagram.com/about_real_food
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